São Paulo, SP, Brasil

Quão cansada você está? Quão livre você se sente?

Semanas atrás, a Myllena Dalla ocupou um triplex na minha cabeça com esse reel aqui, falando sobre como pessoas que vem de uma realidade de muita privação (leia-se: já foi muito pobre) não consegue sentir leveza -financeiramente falando- mesmo ao ultrapassar certas barreiras e conseguir ganhar um pouco mais de grana, afinal, a gente nunca teve backup ou suporte financeiro e, quando chegamos ao ponto de ter um pouco mais de acessos, a gente acaba virando -automaticamente- a rede de apoio da família, o que é incrível, mas também gera uma sobrecarga mental muito grande.

Acho sempre válido lembrar que eu não tenho a menor intenção de dramatizar histórias do passado, pois assim como a Myllena,  eu tenho consciência das minhas superações, vitórias e privilégios atuais, mas inevitavelmente, o passado também constituiu quem a gente é hoje e essas vivências nos trazem esse tipo de reflexão e consciência.
Dito isso, sigamos...

Esse reel reverberou dentro de mim por dias, se misturando com os ecos internos de sobrecarga mental que eu venho sentindo de forma constante e, por mais que o lado racional consiga ver todas as minhas conquistas do último ano, por exemplo, tem sempre uma voz em algum canto dentro da minha cabeça dizendo que eu deveria estar fazendo mais e que eu não estou conseguindo ajudar a minha família o suficiente...
E como se isso não fosse péssimo bastante, em alguns momentos, essas ideias dão lugar ao sentimento de culpa quando eu faço por mim algo que eu esperei por anos e me organizei financeiramente por meses a fio para conseguir fazer.

Apenas citando os últimos episódios: isso aconteceu quando comprei um toca discos novo, quando troquei o tapete da sala e quando eu precisei de opiniões externas porque estava me achando meio babaca por querer aproveitar uma liquidação para comprar uma bota que eu sonhava há váaarios anos...

Coincidentemente, dias depois do reel, apareceu esse post da Pâmela, do @façoascontas no meu feed com um recadinho escrito a mão que dizia o seguinte: 

"Para quem vem da falta, primeiro o dinheiro precisa tapar o buraco, para depois começar a fazer volume."

E não, esse não vai ser um post sobre finanças -até porque, nitidamente, não estou apto a falar sobre (pode seguir a Pâmela porque ela é ótima nessa função)-, mas para chegar onde eu quero, seria inevitável falar sobre a coincidência desses dois posts (relacionados ao tema que tem sido a pauta principal da minha terapia nas últimas semanas) aparecendo pra mim num curto intervalo de tempo...

Seria bem complexo tentar explicar, mas ao falar na terapia sobre como essas faltas do passado foram internalizadas na minha história, eu entendi que elas evoluíram e se transformaram num medo que tá entranhado na minha existência de forma que, em vários momentos, sufoca e me leva a essa sensação de culpa por estar fazendo algo de bom por mim, como se eu não merecesse.

Pesado, bem pesado...

Semanas atrás, eu troquei de treino pela primeira vez após voltar para a academia depois de uma década de sedentarismo (pequenas vitórias 🥳) e, quando o instrutor atualizou minhas séries, me vi frustrado porque tava "perdendo" mais tempo na academia: o que antes eu conseguia fazer em 1 hora e 20 minutos, agora levava 2 horas do meu dia "embora", afinal, eu tinha que aprender tudo de novo, já que o treino novo era cheio de novos aparelhos e sequências.

Nos treinos que se seguiram, um lapso de consciência me ajudou a perceber o absurdo que é eu considerar ok passar 2 horas acordado no meio da madrugada -finalizando uma ilustração ou editando um vídeo, por exemplo-, mas achar que seria demais dedicar duas horas do meu dia a fazer algo pela minha saúde (para poder trabalhar mais e melhor, inclusive -olha o looping da incoerência aí...), tendo em vista que eu voltei aos treinos exatamente para melhorar neste ponto, já que tive várias crises de dor na coluna e nos braços no ano passado.

E foi assim que eu passei dias sem parar de pensar sobre como a gente tem invertido a lógica e usado uma régua alheia e injusta para medir o uso do nosso tempo, supervalorizando os momentos dedicados ao trabalho (por mais que estejamos exaustos, parece que nunca é o suficiente e a gente precisa se doar sempre mais) e minimizando a importância do tempo dedicado à saude, ao lazer e ao autocuidado.


Dali por diante, eu comecei a observar onde mais eu estava metrificando meu tempo com essa régua maluca e a conclusão é que eu tenho um carrasco interno me cobrando algo quase o tempo todo (rindo de nervoso).

Exemplo: dias atrás, percebi que não apenas estava me podando, como também me julgando por usar um tempo do meu dia para pesquisar online por um novo disco...
Sabe a história do disco do Chet Baker que eu jurava que tinha, sem nunca ter comprado? 🙈
Então, fui pesquisar pra encontrar um bom, com o melhor preço e, do nada, as conversas na minha cabeça eram assim:
"-Como assim, você tá gastando tanto tempo do dia (alguns minutos) nisso? 
-Mais um disco? Vai gastar dinheiro nisso aí mesmo? Então tá, né... cada um sabe o que faz 😒"
O pior é que essas "conversas" não são diálogos, mas monólogos, onde a vez de fala seria apenas do "acusador" e minhas vontades vão ficando acuadas porque, afinal, hobby e lazer são apenas "gastos" e "desperdício de tempo", né?

Cê consegue entender o ponto?
Conseguiu se identificar com isso de alguma forma?
-Pro seu próprio bem, espero que não, rs.

Eu cresci ouvindo da minha mãe -que tava sempre uma pilha de nervos e cansaço, limpando a casa o dia inteiro-, que dona de casa não tem tempo para descanso, pois em casa sempre tem algo para fazer (com isso, ela deixou de aproveitar os poucos momentos que tinha dentro de casa com a gente, pois o trabalho doméstico tava sempre acima de tudo).
Provavelmente, ela replicava isso por ter ouvido da minha vó, que ouviu de minha bisavó, sendo que elas (mulheres pretas) sempre trabalharam em casas de família desde muito cedo, ou seja, a gente sabe bem de onde vem essa sentença e o significado que ela carrega.

Por mais que eu já tenha conversado com a minha mãe sobre a falta de sentido nessa frase -na intenção de mostrar que ela tem, sim, direito a descanso-, hoje sou eu que me pego sentindo culpa nos intervalos de descanso e lazer no dia a dia, quer seja por uma ida ao cinema, quer seja por um cochilo no meio da tarde...


Infelizmente, esse não é um post otimista com desfecho apresentando solução rápida de guru da internet (tipo aqueles cursos que te ensinam a ficar milionário em semanas ou meses) sobre como eliminar essa "culpa", até porque, quando decidi ser bem honesto e aberto sobre essa sensação contínua, o fiz por saber que eu não tô sozinho e que mais alguém se identificaria -tanto no que sente, quanto no fato de não ter respostas para as perguntas que permeiam toda essa aflição.

Caso não tenha ficado nítido até aqui, o ponto central do post não está unicamente ligado a hábitos de consumo, mas sobre a forma como essa cobrança vem e, conversando com uma amiga sobre isso dias atrás, ela me mencionou um livro que eu já tinha ouvido falar, mas ainda não tinha conseguido ler: "A Sociedade do Cansaço", do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.

Se você, como eu, ainda não leu o livro, de forma bem básica e resumida, ele fala sobre o excesso de estímulos e hiperconectividade que fazem parte da vida na cidade em nossos dias, onde tudo muda tão rápido que a gente sequer consegue elaborar.
Segundo Han, a gente vive numa sociedade que gira em torno da busca por produtividade e performance onde, ao invés de termos uma figura de autoridade (chefe) nos impondo o que e como devemos fazer (como antigamente, nos quartéis e fábricas, por exemplo), nos tornamos empreendedores e algozes de nós mesmos.

Nessa busca incansável por produtividade -tanto no âmbito profissional como pessoal (tem que ter/fazer e tem que postar, pois, se não postar, não existiu)-, a gente perde a capacidade de reflexão sobre a nossa própria existência, se torna escravo das necessidades impostas pela vida cotidiana e passa a recriminar e demonizar o ócio, além de renegar o tédio...

Pra quem tiver interesse no livro, está disponível gratuitamente em áudio aqui e em versão física nesse link afiliado aqui.

Deu pra entender porque essa coleção simplesmente tinha que existir na b.math?

Caso você tenha mais interesse no assunto, eu te sugiro também ouvir esse episódio do podcast Mamilos sobre o assunto e assistir à série "Sociedade do Cansaço", do canal gnt que tá disponível no globoplay em 10 episódios curtos sobre o assunto (aqui), mostrando as consequências de tudo isso em diferentes áreas da nossa vida, abordando um novo tópico a cada capítulo. A série ta 10/10, eu ADOREI!

Tudo isso me fez lembrar também de um documentário que eu assisti na faculdade e que me deixou aterrorizado por meses: "Da Servidão Moderna" é forte como um soco no estômago ao nos mostrar que a gente tá, de fato, preso como hamsters na rodinha do sistema.

Eu acho esse documentário necessário pelos choques de realidade (indispensáveis pra gente se localizar nesse jogo, diga-se de passagem) que ele joga na nossa cara e estou deixando ele aqui abaixo, mas acho importante avisar que, caso você esteja num momento de stress intenso ou muita sobrecarga emocional, deixe para assistir depois...

Respeite seus limites e preserva aí essa cabecinha, combinado?


Eu falei muito sobre mim e sobre tantas outras coisas até aqui, mas agora eu quero saber de você: quão cansada você está? Melhor do que isso, eu tenho uma pergunta mais provocativa:

Quão livre você se sente?

Depois dessa enxurrada de desabafos (essa é a intenção do retorno do blog), deixa eu trazer pelo menos um band-aid pra você colocar aí nessa ferida que possa estar aberta por aí 😂...

Honestamente, eu não acredito numa chave mestra que possa resolver tanto B.O. existencial de uma vez só, mas acho que, com pequenas viradas de chave no cotidiano -a começar pelo despertar da consciência-, a gente pode ir descobrindo, devagarinho, que independente de onde a gente veio e do que o mercado tá berrando na nossa cara, nós merecemos descanso, momentos de leveza e punhados generosos do que a gente considera bom (e até mesmo os famigerados supérfluos).

Mas sobretudo, eu acredito que a gente precisa aprender a aceitar que lutar pelo que nos faz bem não tem nada a ver com egoísmo!

Assim como no mês passado eu deixei a sugestão de se fotografar no presente como um favor pro seu eu do futuro, sugiro que, ao longo desse mês, você separe pelo menos uma manhã, tarde ou noite para fazer algo POR VOCÊ -de preferência, sem celular e sem pressão pra postar algo...
Só vai lá e vive!

-Obviamente, esse desafio não é uma imposição, pelo contrário: ele precisa ser leve e se você não conseguir fazer, tudo bem também (mas acho que se você tentar, tem chance de você se surpreender e gostar).

Pra finalizar, vou deixar aqui uma pequena lista de sugestões do que você pode fazer, caso consiga separar esse tempo pra você:


Por fim, mas não menos importante: já que a gente não consegue se livrar das telas hoje em dia, bora pelo menos colocar um lembrete ali sobre o quanto a gente merece coisas boas também.
Fiz isso porque eu sempre adorei criar e compartilhar wallpapers aqui no blog e sei que muita gente adorava e usa alguns das antigas até hoje, então, bora renovar!


Pra baixar, é só clicar aqui nesse link e escolher o seu favorito.

Lembrando que a intenção de reativar o blog é que a gente possa ficar mais perto (como antigamente), portanto, eu vou adorar receber sua opinião sobre esse e sobre os outros posts -aqui na caixa de comentários ou na DM do instagram, combinado?

Tenho recebido muitas mensagens queridas e é esse tipo de coisa que motiva a prosseguir, além de dar uma noção se essa nova leva de conteúdos tá fazendo sentido, se tá no rumo certo.

Por hoje, isso é tudo.
Que março seja um mês leve -ou que, pelo menos, a gente tenha discernimento e força para lidar com as adversidades.

Bjs e até a próxima,

Math


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